Chegado do Alentejo tive conhecimento da morte deste meu Amigo. Daí esta singela homenagem de vários dos seus Camaradas que, neste momento, mostram bem o Respeito e a Amizade que por ele sentiam. É esta a última imagem que dele retenho!
Foi militar profissional, poeta, escritor e grande atleta. Era filho do jornalista e escritor madeirense Joaquim Mota de Vasconcelos.
Como combatente no ex-Ultramar Português, cumpriu três comissões por escala (imposição): uma em Angola, como subalterno (1961-1962) e duas na Guiné, em comando de companhias (1964-1966, e 1968); nesta última foi ferido gravemente em combate, sendo depois reformado como DFA.
Foi fundador do Serviço Nacional de Protecção Civil (Janeiro de 1976) onde foi Director de Serviço e Assessor Principal, tendo igualmente desempenhado as funções de Porta-Voz para a Comunicação Social (seis anos) e co-responsável da Revista de Protecção Civil (dez anos).
Seria condecorado com a Medalha de Prata de Serviços Distintos, com Palma (em combate); era comendador da Ordem Heráldica da Paz Universal (Brasil) e tinha a Medalha de Ouro Grau “Pacificador da ONU Sérgio Vieira de Melo”.
Pertencia, entre outras, à Associação Portuguesa de Escritores, Instituto Açoriano de Cultura, sócio honorário da Ordem Nacional dos Escritores do Brasil (ONE), Associação de Auditores dos Curso de Defesa Nacional, Associação dos Deficientes das Forças Armadas e Sociedade Portuguesa de Engenharia Sísmica.
Colaborou com várias revistas de poesia portuguesas e brasileiras e antologias poéticas e não só…. Entre outros trabalhos publicou os contos “Sombra em Clave de Sol”, e o ensaio “Esboços Pessoanos” em co-autoria com Jorge Soares, que chegou à 5ª edição (em cinco línguas). Fez vários prefácios, recordando um para o livro de minha autoria (Marcello e Spínola – a Ruptura…) e outro para uma obra de Carlos Gueifão (Mata Couros …). Mas a sua “jóia da coroa” era o site literário “Varanda das Estrelícias"; Uma ponte sobre o Atlântico”, que acolhia as obras de inúmeros poetas e ensaístas e que ia no oitavo ano da sua existência.
Quero salientar um texto de sua autoria postado neste site sobre o sucedido em Portugal, em 1975:
O mandado de captura fora assinado em branco pelo Comandante do Copcon. A acusação era grave: Forte suspeita dos crimes de coligação (eu, que não vou em grupos...) e insubordinação.
Local e data: Academia Militar (que falta de hospitalidade!...), onde era visita e treinador da equipa de rugby; 12 de Março de 1975.
Oficial captor: Comandante Nemésio, dos submarinos, única obra que não foi revista pelo Pai, coadjuvado por um persuasivo camarada de Arma, sobrevivo porque consegui evitar a “intifada” dum fiel fundamentalista meu “filho”, que à viva força queria fazer-lhe a folha...
Não era assim, ó Harffouche, se me ouves desse lado? E afinal em que ficamos? Era mesmo reaccionário, ou limitava-me a exercer, limito-me a exercer, a capacidade de incómodo do costume? Delito de opinião numa sociedade livre, liberta?
A verdade é que quando toda a gente ainda batia palmas ao MFA e buscava os parentes que no seu seio havia, lembrei-me de baixar à realidade e fazer a interpelação que se segue, felizmente publicada depois de a entregar ao amigo Manuel Bernardo.
Claro que as minhas interpelações em “PVT”, na Academia Militar, meu Clube conjuntural, não seriam também do maior agrado dos interpelados. E há sempre quem não goste de mostrar os pés de barro.
Em situação de crise aposto que a liberdade de expressão é a primeira a pagar imposto. É evidente que nada disto tem a ver com os dias de hoje, em que até os jornalistas se podem exprimir livremente...
Em relação a esta passagem de Joaquim Vasconcelos pelo Estabelecimento Prisional de Caxias, quero referir que havia alguns anos estava para publicar um livro com o título “Caxias 75 – Condomínio Fechado”, “exigindo” que eu lhe fizesse o respectivo prefácio. Entreguei-lhe um texto para esse efeito, em 2009 (o posfácio seria do Luís Dantas, entretanto falecido), do qual transcrevo:
Joaquim Vasconcelos, um dos oficiais mais classificados do meu Curso de Infantaria (1956-1960) e com uma preparação física acima da média, continua a ser uma “força da natureza”, característica pessoal que já o fez ultrapassar muitas situações complicadas, desde as duas comissões na Guiné (que terminaram com o rebentamento de uma mina), aos difíceis e esgotantes problemas familiares, e passando ainda por uma arbitrária detenção no Presídio de Caxias, na sequência do 11 de Março de 1975. (…)
Acompanhei as suas actividades desde Fevereiro de 1974, quando regressei da quarta comissão por escala (Moçambique) e me apresentei na Academia Militar, onde fui colocado nas funções de ajudante de campo do Comandante, General Amaro Romão.
Um pequeno parêntesis para dizer que não conhecia este oficial general de lado nenhum e apenas fui indicado por ter um nome parecido com o seu. O facto é que sendo um dos dois capitães que na Escola de Aplicação Militar de Boane (a 30 Kms da então Lourenço Marques, hoje Maputo), que assinaram o pedido colectivo de demissão de oficial do Exército, dentro do processo contestatário do Movimento dos Capitães, acabaria por ver passar por mim três generais comandantes da Academia Militar (nos poucos meses que lá permaneci - antes do 16-3-1974, antes do 25-4-1974 e depois desta data, até Junho), quando anteriormente era o General Comandante que via “passar” os seus ajudantes para comissões consecutivas no Ultramar.
O Autor, com a sua voluntariedade e disponibilidade tinha assumido o encargo de treinar graciosamente a equipa de rugby da Academia. Daí manter-se ligado e contactar frequentemente os oficiais que lá prestavam serviço, como nesse início do ano de 1974, era também o caso dos Tenentes-Coronéis Amadeu Garcia dos Santos (Engenharia) e Correia de Campos (Cavalaria) e do Major de Artilharia Otelo Saraiva de Carvalho, estes dois últimos regressados da Guiné, no ano anterior.
Não vou continuar a elogiar ou falar mais sobre as suas virtudes militares, tal como a frontalidade e a lealdade, bem destacadas ao longo deste livro. Irei apenas abordar, de forma resumida, duas situações interessantes ocorridas com ele, e de que fui testemunha presencial ou reportei, por entrevista, os factos para livro já publicado.
Assim, apenas recordo o desencadear das movimentações do 16 de Março de 1974, quando, em Lisboa, os militares do Movimento estavam convencidos que vinham várias colunas do Norte do País. Tendo eu recebido um telefonema de Otelo (encontrava-se das bombas de gasolina à entrada de Lisboa), a pedir para irem ter a este local dois oficiais, para o ajudar naquela situação, dirigi-me ao Autor dizendo: “Quero que vás, com outro oficial, à Rotunda da Encarnação ter com o Otelo, pois ele precisa de apoio no local”.
A sua resposta clara e realista foi: “Não! Eu não embarco em comboios em andamento!”
O Joaquim Vasconcelos é assim mesmo. Apesar de ser um poeta com razoáveis trabalhos publicados neste meio cultural e no seu site, que já dura há cinco anos, tem igualmente uma faceta muito pragmática e bem visível nesta atitude tomada em cima do desenrolar dos acontecimentos.
Os dois oficiais que consegui convencer a deslocarem-se àquele local foram o Ten-Coronel Fisher Lopes Pires e o Major Nuno Bívar. Este último seria visto a tentar convencer o Major Vinhas, do BC 5, a não permanecer do lado governamental, pelo que seria transferido da Academia Militar. O primeiro, ficando resguardado no jeep, acabaria por ser um dos elementos do Posto de Comando da Pontinha no 25 de Abril e, mais tarde, após o 28 de Setembro, membro da Junta de Salvação Nacional, graduado em General.
Quanto à detenção do Autor feita no dia seguinte ao golpe de 11 de Março de 1975, acabaria por ser mais gravosa do que para a generalidade dos restantes camaradas, pois que seria mantido em rigoroso isolamento devido à posição tomada: “Não presto declarações já que, nos termos da Lei tenho direito a um advogado, o que até agora ninguém me garantiu. Assim, como «prisioneiro de guerra» apenas digo o meu nome e número de identificação militar.”
Foi nesta situação de isolamento numa cela, que eu e o Rodrigues Graça (hoje Major General reformado) o fomos encontrar, aquando de uma visita que nos foi facultada, com vista a convencê-lo a ser “mais colaborante”. No final da conversa apenas me disse que iria prestar declarações se eu descobrisse quem tinha sido o oficial que o denunciara em relação às suas “andanças” no dia 11 de Março.
Grande parte do sucedido nesta época encontra-se numa entrevista que me deu para o meu livro “Equívocos e Realidades; Portugal 1974-1975” (1999), mais tarde noutra versão revista e actualizada com o título “Memórias da Revolução; Portugal 1974-1975” (2004). Recordo que ele fora preso na Academia Militar juntamente com o então Coronel Soares Carneiro, que desempenhava as funções de Comandante do Corpo de Alunos. Este oficial seria, mais tarde, candidato à Presidência da República e, depois, Chefe do EMGFA. (…)
Apesar de no início de 1975 já me encontrar colocado no então Batalhão de Comandos, de Jaime Neves, na Amadora, a fazer a liquidação do extinto Regimento de Infantaria N.º 1, lá deambulei pela Academia Militar (Gomes Freire), interrogando vários oficiais com vista a tentar descobrir quem o denunciara. O resultado dessas diligências acabou por ser frutuoso, pois cheguei à conclusão ter sido um capitão de Artilharia que, no Comando da PSP de Lisboa, vira o Autor a falar com o Major Casanova Ferreira. Este oficial acedera ao pedido da Academia Militar, através do Joaquim Vasconcelos, para mandar para lá uma viatura com rádio, com a finalidade de manter comunicações entre os dois locais. E, no dia seguinte, no meio de umas folhas e apontamentos de “rugby”, sua mulher fez-lhe chegar esta minha informação. (…)
E termino estas recordações da última revolução portuguesa do século XX, salientando o “grito de guerra”, de uma organização inventada por Joaquim Vasconcelos, para deleite dos presos e preocupação dos carcereiros mais fanáticos: “KATAI!!!!!; a traição paga-se com a morte”. Curiosamente, no último Dia de Portugal (2009), estivemos, em Alcântara, a comemorar a promoção de Jaime Neves a General e, ocasionalmente, surgiu para se sentar na nossa mesa um outro “operacional” do 11 de Março, o J. A. Carvalho Branco, primo de minha mulher. Perguntei-lhe se se lembrava do Autor. Olhando para as suas barbas não o reconheceu; no entanto quando lhe falei no KATAI, logo se abraçaram efusivamente, recordando o tal grito de guerra, que ele, no seu isolamento, e para manter o moral dos militares detidos, lançava pelas janelas gradeadas e era ouvido por muitos outros presos…
As minhas sentidas condolências à família enlutada. Finalizo este já longo texto com a frase que o meu camarada e amigo Valdemar Clemente ultimou o seu email sobre o falecimento do nosso amigo Joaquim Vasconcelos:
Que a paz seja concedida à sua alma, já que o mérito humano, moral e intelectual mais do que o justificam.
Por Manuel Bernardo (Cor. ref) Carnaxide 23-06-2012
Obrigado pela difusão feita, que o Poeta bem merecia. Foi grande em tudo o que fez na vida!
Que repouse em paz.
Morte solitária
Tudo rejeito,
nunca pedirei socorro!
Hei-de morrer só e de pé
e saberei sempre do que morro:
Do excesso e da falta de fé!
Poema de Joaquim Evónio