"Vós que lá do vosso império, prometeis um mundo novo...CUIDADO, que pode o povo, querer um mundo novo a SÉRIO!" In: António Aleixo

29/12/2011

DIA DE NATAL


Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,

de falar e de ouvir com mavioso tom,

de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros. Coitadinhos. Nos que padecem,

de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,

de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.

É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,

como se de anjos fosse,
numa toada doce, de violas e banjos.
Entoa gravemente um hino ao Criador.

E mal se extinguem os clamores plangentes,

a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?

Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso anti-magnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.

Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.

Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas

e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,

as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento
voluptuoso dos brilhos e das cores.

É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,

como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.

Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra.
Louvado seja o Senhor! O que nunca tinha pensado comprado.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta, que nem dorme serena.
Cada menino
abre um olhinho na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama, corre à cozinha mesmo em pijama. Ah!!!!!!!!!!
Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa do Menino Jesus.
Jesus
o doce Jesus, o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho uma metralhadora.
Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas

e obrigava as criadas a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam que caíam crivados de balas.
Dia de Confraternização Universal,

Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.

Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

António Gedeão

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