Apareceu, por
mão amiga, este texto de Júlio Isidro para este fim-de-semana dar ânimo a todos
os que bem pensam sobre o nosso futuro.
Passaram 40
anos de um sonho chamado Abril. E lembro-me do texto de Jorge
de Sena…. Não quero morrer sem ver a cor
da liberdade.
Passaram
quatro décadas e de súbito os portugueses ficam a saber, com espanto, que são
responsáveis de uma crise e que a têm que pagar… civilizadamente,
ordenadamente, no respeito das regras da democracia, com manifestações próprias
das democracias e greves a que têm direito, mas demonstrando sempre o seu elevado
espírito cívico, no sofrer e….calar.
Sou dos que
acreditam na invenção desta crise. Um “directório” algures decidiu que as classes médias estavam
a viver acima da média. E de repente verificou-se que todos os países estão a
dever dinheiro uns aos outros… a dívida soberana entrou no nosso vocabulário e
invadiu o dia-a-dia. Serviu para despedir, cortar salários, regalias/direitos do chamado
Estado Social e o valor do trabalho foi diminuído, embora um nosso ministro
tenha dito decerto por lapso, que “o trabalho liberta”, frase escrita no portão de entrada de
Auschwitz. Parece
que alguém anda à procura de uma solução que se espera não seja final.
Os homens
nascem com direito à felicidade e não apenas à estrita e restrita
sobrevivência. Foi
perante o espanto dos portugueses que os velhos ficaram com muito menos do seu
contrato com o Estado que se comprometia devolver o investimento de uma
vida de trabalho. Mas, daqui a 20 anos isto
resolve-se. Agora,
os velhos atónitos, repartem o dinheiro entre os medicamentos e a comida.
E ainda tem que dar para
ajudar os filhos e netos num exercício de gestão impossível. A Igreja e tantas instituições
de solidariedade fazem diariamente o milagre da multiplicação dos pães.
Morrem mais
velhos em solidão, dão por eles pelo cheiro, os passes sociais impedem-nos
de sair de casa, suicidam-se mais pessoas, mata-se mais dentro de
casa, maridos, mulheres e filhos mancham-se de sangue, 5% dos sem-abrigo
têm cursos superiores, consta que há cursos superiores de geração
espontânea, mas 81.000 licenciados estão desempregados. Milhares de alunos
saem das universidades porque não têm como pagar as propinas, enquanto que
muitos desistem de estudar para procurar trabalho.
Há 200.000
novos emigrantes, e o filme “Gaiola Dourada” faz um milhão de
espectadores. Há
terras do interior, sem centro de saúde, sem correios e sem finanças, e os festivais
de verão estão cheios com bilhetes de centenas de euros. Há carros topo de gama para
sortear e autoestradas desertas. Na televisão a gente vê gente a fazer sexo
explícito e explicitamente a revelar histórias de vida que exaltam a
boçalidade. Há 50.000
trabalhadores rurais que abandonaram os campos, mas há as grandes
vitórias da venda de dívida pública a taxas muito mais altas do que outros
países intervencionados.
Há romances de
ajustes de contas entre políticos e ex-políticos, mas tudo vai acabar em
bem...estar para ambas as partes. Aumentam as mortes por
problemas respiratórios consequência de carências alimentares e higiénicas, há
enfermeiros a partir entre lágrimas para Inglaterra e Alemanha para ganharem
muito mais do que 3 euros à hora, há o romance do senhor Hollande e o enredo do
senhor Obama que tudo tem feito para que o SNS americano seja mesmo para todos
os americanos. Também ele tem um sonho…
Há a
privatização de empresas portuguesas altamente lucrativas e outras que virão a
ser lucrativas. Se são e podem vir a ser, porque é que se vendem? E há a saída à
irlandesa quando eu preferia uma…à francesa. Há muita gente a opinar, alguns escondidos com o
rabo de fora. E
aprendemos neologismos como “inconseguimento” e “irrevogável” que quer dizer exactamente o contrário do que está
escrito no dicionário. Mas há os penalties escalpelizados na TV em câmara lenta, muito lenta e
muito discutidos, e muita conversa, muita conversa e nós, distraídos. E agora, já quase todos sabemos
que existiu um pintor chamado Miró, nem que seja por via bancária. Surrealista…
Mas há os
meninos que têm que ir à escola nas férias para ter pequeno- almoço e almoço. E as mães que vão ao
banco… alimentar contra a fome, envergonhadamente, matar a fome dos seus
meninos. É por estes
meninos com a esperança de dias melhores prometidos para daqui a 20 anos, pelos
velhos sem mais 20 anos de esperança de vida e pelos quarentões com a
desconfiança de que não mudarão de vida, que eu não quero morrer sem ver a cor
de uma nova liberdade.
Júlio Isidro
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