"Vós que lá do vosso império, prometeis um mundo novo...CUIDADO, que pode o povo, querer um mundo novo a SÉRIO!" In: António Aleixo

18/02/2014

O aprendiz de Maquiavel em dez lições




1. Inculca culpa na tua vítima. Convence-a de que é responsável pelo que lhe está a acontecer. Se o fizeres, a tua tarefa estará facilitada. Lembra-te: se aqui vítima há, és tu, cujas intenções são “incompreendidas” pelos “ingratos e invejosos”.
2. Usa palavras mágicas: pátria, empreendedorismo, sacrifício, futuro, reformas, construir, acreditar, inovação. Baralha-as numa Bimby e faz bimbices. Se conseguires dizer sem te rires algo como “Pensar e preparar o futuro do nosso país é proporcionar às gerações que nos irão suceder as ferramentas adequadas para construir um Portugal diferente, num quadro de qualidade, responsabilidade e inovação”, tens um lugar assegurado.
3. Diz que compreendes a insatisfação dos prejudicados e concordas que, sim, têm razão, mas agora não pode ser nada. Justifica-te com a burocracia, a qual és o primeiro a combater. Pede para adiarem o seu protesto, que tu próprio reconheces como justo, “houve de facto erros, a corrigir no futuro”, mas que em breve tudo se resolverá, se as pessoas tiverem “calma e paciência” e souberem “aguardar discretamente”.
4. Desvia as atenções. A forma mais prática de aliviar uma afta é martelar um dedo. Estudo de caso: há anos, um governo estava em crise com uma sucessão de demissões. Um ministro de génio (para estas coisas) marcou uma conferência de imprensa a anunciar a construção da terceira ponte lisboeta sobre o Tejo. Todos os jornalistas caíram no engodo – por malícia, naiveté ou pura cumplicidade. Aplica estes e os outros preceitos e terás a vida facilitada.
5. Usa factos. Não importa quais. E números. Muitos números. Mostra gráficos. Sê firme, mesmo que não saibas o que estás a dizer. Não te preocupes, com sorte o teu interlocutor não terá informação ou coragem para te confrontar, e o risco de seres apanhado é inferior a 1,6% (número que acabo de inventar, aliás). Quando te apresentarem factos contrários, responde que “são casos isolados”. Simplifica ao absurdo mas, se necessário, foge na direcção contrária, e diz que “a questão é demasiado complexa” para ser tratada “daquela maneira” na praça pública.
6. Chora lágrimas de crocodilo. Se não tiveres de crocodilo, chora lágrimas de raposa, de hiena, de lobo com pele de cordeiro, de rato de sacristia, de coelho à caçadora, de abutre, ou, na pior das hipóteses, de “intensa e enorme emoção”, porque tu, “pessoa razoável e pragmática”, raramente “cedes à emoção”, mas quando cedes ela é sempre intensa e enorme, porque tu és assim e “assumes” com plenitude a plenitude da plenitude.
7. Sabes que a crise tem unicamente por função baixar “o custo do trabalho”. Corrijo: também servirá para vender alguns anéis públicos, e os dedos que a eles vierem colados. Só que baixar o custo do trabalho é a prioridade. Infelizmente, não o podemos dizer desta maneira. Então mostra compaixão, geme, condói-te, solidariza-te, “compreende”. Etc. Faz como te digo e vais ver que tudo corre bem.
8. Defende e respeita a tradição. Porque a tradição é “a alma dum povo”. Lembra que, em contrapartida, para progredir é preciso “proceder a reformas necessárias”. E são sempre necessárias, essas reformas, ainda que “dolorosas”. Tu compreendes que são dolorosas, só que necessárias. Em simultâneo, tenta respeitar “as bonitas tradições do nosso povo e de nossos pais”. E nenhuma é tão bonita como o futebol.
9. Escolhe bem os funerais a que vais. Lembra-te: o morto é o menos importante, a pedra na sopa da pedra. Se te candidatas a herdeiro do trono, sê “discreto e humilde”, mas vai para a frente na fotografia. Lembra-te: quando foi confrontativo, Ronaldo perdeu; quando foi humilde, Cristiano ganhou.
10. Ignora aqueles que dizem: não mates o mensageiro. Matar a quem, senão ao mensageiro? Ignora aqueles que dizem que não se bate nos mais fracos: bater em quem, senão nos mais fracos? Nos mais fortes? Só os idiotas batem nos mais fortes. Não te armes em corajoso. Se quiseres mostrar coragem (até para desviar as atenções), empurra um bêbado ou humilha um criado.
Cumpre estas leis e poderás, pela calada, desobedecer a todas as outras. Ámen.

Rui Zink, Docente universitário FCSH-UNL


3 comentários:

São disse...

Este texto desconhecia, mas o do Júlio Isidro coloquei-o no facebook.

haja alguém ainda com seriedade!!

Meu caro amigo, bons sonhos

Mariazita disse...

Meu querido amigo Luis
Muito obrigada pelos seus (dois) comentários.
Lembre-se: os amigos chegam sempre a horas, ainda que tardem a aparecer. Para eles, as portas estão sempre abertas, de dia, de noite, de madrugada, até à hora da sesta (para quem a faz:), eu não faço!).

Gosto imenso de Rui Zink, e esta "crónica" está espectacular!
Se não se importa - calculo que não - vou copiá-la e guardar. Tenho uma pasta onde guardo "coisas" que considero com interesse. Vai para lá...

Votos de excelente semana.
Beijinhos muito amigos

Luis disse...

Amigas São e Mariazita,
Obrigado pelas vossas belas palavras!
Claro que aprecio que tenham escolhido estes textos para guardarem. São importantes mas infelizmente com a (des)classe dos nossos (des)governantes estes nada aprendem com quem deviam!!!
Beijinhos amigos e solidários.