"Vós que lá do vosso império, prometeis um mundo novo...CUIDADO, que pode o povo, querer um mundo novo a SÉRIO!" In: António Aleixo

12/07/2013

Abalos políticos




Estava esta crónica já escrita, à espera da posse dos ministros remodelados pela proposta Passos-Portas de reentendimento da coligação, quando – como todos os comentadores e agentes políticos – fomos surpreendidos pela comunicação ao país de 10 de Julho do Presidente da República. Mas vamos por partes.
Como fenómeno observável por comentadores e analistas, o tropeção ocorrido na vida política portuguesa nos primeiros dias de Julho foi um case study. A carta de despedida do ministro Gaspar é uma notável peça, reveladora da maneira como funciona um governo e de como um tecnocrata como ele, que não é um político profissional, sai vencido pelas insídias de colegas, pelas resistências institucionais opostas a qualquer mudança mais profunda que se tente fazer e, finalmente, pela própria consciência dos limites das suas capacidades face aos insucessos obtidos em vários domínios decorrentes da actuação tida (sobretudo na economia e no emprego). As cenas da tomada de posse da sua substituta (com um caso de swaps à perna), da “irregovável” demissão de Paulo Portas, da subsequente declaração ao país de Passos Coelho (“não me demito”) e do atabalhoado processo que se seguiu levou muitos observadores a falarem de “garotices”.(…)
(…)O problema é que essa lógica e essa racionalidade se definem em relação aos interesses de poder próprios de cada um desses actores – sejam individuais, de “grupo” ou partidários – e não, de maneira nenhuma, em relação a um qualquer tipo de “superior interesse nacional”, chavão discursivo com que, não obstante, somos por eles bombardeados a cada passo.
De facto, nessas acções: as informações da conjuntura internacional (económica, diplomática, europeia, etc.) estão presentes “como contexto”; os dados que vão sendo divulgados sobre o andamento da vida económica e financeira do país estão igualmente presentes “como contexto”; as barreiras legais que o Tribunal Constitucional e outras instâncias judiciárias vão erguendo a determinadas medidas decretadas pelo governo são encaradas como “constrangimentos do contexto”; as negociações da “concertação social”, as tomadas de posição dos “parceiros sociais” e os pronunciamentos do Conselho Económico e Social ou do Provedor de Justiça são ainda tomados em conta no quadro da “análise política de situação”; idêntico tratamento é dado aos scores das sondagens de opinião e aos movimentos de protesto nas ruas (cujos líderes decerto estarão sob vigilância dos “serviços de informação” e serão objecto dos seus relatórios secretos); e as tomadas públicas de posição das forças partidárias da oposição são igualmente consideradas como “elementos de análise da situação”, o mesmo acontecendo com as posições, públicas ou ditas com reserva, do Presidente da República.(…)
(…)Isto aplica-se ao PSD e ao CDS que há dois anos assumiram a governação, mas igualmente ao PS, como putativo aspirante a tomar parte no próximo governo, que nem esse tempo demorou a considerar esquecidas as responsabilidades do consulado de Sócrates no avolumar da crise e a cortar a hipótese de uma solução de “salvação nacional” com a sua imprudente declaração (mas reveladora do que o move) de que só regressaria ao governo após novas eleições. Este foi um erro de palmatória só explicável pela fragilidade do líder e pelas pressões internas para voltar ao poder a qualquer preço e o mais rapidamente possível, sem o mínimo “exame de consciência” das suas responsabilidades pelas práticas políticas desenvolvidas desde há longos anos.(…)
(…)As reacções bolsistas e “dos mercados” a esta mini-crise governativa de Julho mostraram talvez a muita gente o que se seguirá à convocação de eleições antecipadas, com o inerente adiamento da próxima avaliação da “troika” e congelamento do respectivo cheque, da inevitável “reforma do Estado”, da execução e da preparação do orçamento, de um prolongado governo-de-gestão com as datas do resgate de vultuosos empréstimos a aproximarem-se, etc. – sabendo nós ainda por cima que, de novas eleições (já, ou mais adiante) só sairá uma legitimidade governativa mais abalada devido a uma ainda mais fraca participação eleitoral (modo que resta aos cidadãos para expressarem a sua crítica aos principais partidos políticos), e de novo uma complicada negociação inter-partidária para a formação de um governo e a fixação de um qualquer programa de actuação, que nunca poderá ser muito diferente do actual, vista a envolvente externa.
A “saída democrática” que todos dizem ser o modo de resolução de um impasse político – as eleições –, sabemo-lo de antemão que nada resolve enquanto tivermos este sistema partidário, que é um dos principais responsáveis pela crise actual e tem até agora mostrado ser incapaz de se auto-reformar.(…)
(…) Mas as soluções para que apontam (como, de resto, em parte, o próprio PS, enquanto partido de oposição) nada ajudam a perceber qual seria a “outra política” que poderia reverter a crise actual – a menos que fosse o empobrecimento radical resultante de uma saída abrupta do Euro, transformando-nos numa espécie de Albânia da Europa ocidental (que aliás já constituiu um modelo ideal para alguns dos ex-maoistas que agora nos governam). Como escreveu Paulo Trigo Pereira (no Público de 7.Julho.2013), julgamos que “Portugal não tem, nem terá proximamente, crescimento económico que sustente simultaneamente o Estado social tal como hoje existe, a regionalização e municipalização no figurino actual, os juros da dívida pública, os encargos com as parcerias publico-privadas e um sector público empresarial que se mantém deficitário”. (…)
 (…)Por tudo isto, as previsões actuais terão de ser de pessimismo. A não ser que, por uma “iluminação” fantástica e surpreendente, a “classe política” cortasse 30% nos seus vencimentos e todos os benefícios-de-função, e reduzisse significativamente o número de deputados, vereadores, assessores e outros estipendiados pelo orçamento público, para que pudesse apresentar-se perante o povo com alguma credibilidade no pedido de sacrifícios.     
JF / 11.Jul.2013

Sem comentários: