Cavaco acaba de
falar ao país. Começou com a conversa habitual da credibilidade, da responsabilidade, do
sentido de Estado, do interesse nacional e de outras tantas interpretações
livres de palavras e expressões hoje completamente desvirtuadas no sentido.
Quando toda a
gente esperava que desse o golpe de misericórdia ao país e anunciasse o seu
apoio à não solução que lhe foi apresentada por Pedro Passos Coelho e Paulo
Portas, quando toda a gente esperava ouvir que não convocaria eleições
antecipadas, Cavaco fez ainda pior e anunciou que apenas viabilizará um acordo
de regime a alcançar entre os três partidos que assinaram o memorando, um
acordo que assegure "estabilidade", não apenas até às eleições que
combinarão entre os três para data posterior ao final do programa de "ajustamento",
Junho de 2013, como também depois dessas eleições.
Há pelo menos
três conclusões imediatas a retirar de mais este episódio que atesta como a
loucura não tem limites e como o poder em Portugal não poderia realmente estar
em melhores mãos.
A primeira, que
enquanto andava para aí a teatralizar a exigência de eleições antecipadas,
António José Seguro desenvolvia negociações paralelas para encaixar o seu
partido no poder e nos negócios do poder. Agora se entende o mutismo dos
deputados do PS na Comissão de Negócios Estrangeiros, naquela que seria a
despedida de Paulo Portas: não lhe dirigiram a mais mínima observação sobre a
sua decisão de brincar com milhões de vidas utilizando a palavra
"irrevogável".
Agora se
entendem também as posições tomadas nos últimos dias por algumas figuras
sinistras do PS, como é o caso de José Lello, que se manifestou contra a
realização de eleições antecipadas alegando não estarem hoje reunidas as tais
condições de "governabilidade" que reflectem a visão aritmética que estes
partidos têm da política.
A segunda, que pelo menos durante mais um ano teremos
três partidos, que nas eleições de há dois anos obtiveram mais de 80% de
lugares no Parlamento mas que em eleições realizadas hoje de forma alguma os
obteriam, a usarem este poder, hoje ilegítimo, para prosseguirem as políticas
que aceleraram a destruição do país nos últimos dois anos com ainda mais 4700
milhões em cortes cegos.
Cavaco Silva
acaba de sentenciar o SNS que nos garantia um mínimo de segurança em situação
de doença, o Ensino público universal e de qualidade, a Segurança Social que
ainda nos punha a salvo da esmola, a estabilidade mínima no emprego que tivemos
até agora.
Cavaco Silva
acaba de decretar um aumento exponencial do desemprego, o encerramento de ainda
mais pequenas e médias empresas, novos recordes da dívida pública, a
privatização do que resta privatizar, a concentração de riqueza, um crescimento
ainda maior do número de milionários em Portugal, que aumentou nos últimos dois
anos como nunca antes.
Cavaco acaba de
consumar a desforra com o 25 de Abril há tanto sonhada.
Finalmente, a
terceira, que Cavaco Silva e os três partidos do arco da austeridade prevêem
voltar a transformar as próximas eleições numa mera divisão de poder entre os
três. Isto reflecte o respeito que não lhes merece, nem podia merecer-lhes, um
povo que, fizessem o que fizessem, nunca soube usar o voto para punir as suas
traições e os seus desgovernos sucessivos.
Cavaco tem boas
razões para acreditar que nas próximas eleições, sejam elas quando forem, os
portugueses irão agradecer a estes três partidos pela devastação hoje ainda
inimaginável que seguramente deixarão atrás de si. Pode ser que as contas lhes
saiam furadas.
A palavra foi devolvida ao povo. Mas agora será pior, terá que ser na rua.
Terá que ser a rua a correr com eles. Ou então, adeus. E salve-se quem puder.
Sem comentários:
Enviar um comentário