"Vós que lá do vosso império, prometeis um mundo novo...CUIDADO, que pode o povo, querer um mundo novo a SÉRIO!" In: António Aleixo

28/12/2010

GANHEI CORAGEM


"Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente tem coragem para aquilo que ele realmente conhece", observou Nietzsche.
É o meu caso. Muitos pensamentos meus, eu guardei em segredo. Por medo.
Alberto Camus, leitor de Nietzsche, acrescentou um detalhe acerca da hora em que a coragem chega: "Só tardiamente ganhamos a coragem de assumir aquilo que sabemos".
Tardiamente. Na velhice. Como estou velho, ganhei coragem.
Vou dizer aquilo sobre o que me calei: "O povo unido jamais será vencido", é disso que eu tenho medo.
Em tempos passados, invocava-se o nome de Deus como fundamento da ordem política. Mas Deus foi exilado e o "povo" tomou o seu lugar: a democracia é o governo do povo.
Não sei se foi bom negócio; o fato é que a vontade do povo, além de não ser confiável, é de uma imensa mediocridade. Basta ver os programas de TV que o povo prefere. A Teologia da Libertação sacralizou o povo como instrumento de libertação histórica. Nada mais distante dos textos bíblicos. Na Bíblia, o povo e Deus andam sempre em direcções opostas. Bastou que Moisés, líder, se distraísse na montanha para que o povo, na planície, se entregasse à adoração de um bezerro de ouro. Voltando das alturas, Moisés ficou tão furioso que quebrou as tábuas com os Dez Mandamentos.
E a história do profeta Oséias, homem apaixonado! Seu coração se derretia ao contemplar o rosto da mulher que amava! Mas ela tinha outras ideias. Amava a prostituição. Pulava de amante e amante enquanto o amor de Oséias pulava de perdão a perdão. Até que ela o abandonou. Passado muito tempo, Oséias perambulava solitário pelo mercado de escravos. E o que foi que viu? Viu a sua amada sendo vendida como escrava.Oséias não teve dúvidas. Comprou-a e disse: "Agora você será minha para sempre.". Pois o profeta transformou a sua desdita amorosa numa parábola do amor de Deus.
Deus era o amante apaixonado. O povo era a prostituta. Ele amava a prostituta, mas sabia que ela não era confiável. O povo preferia os falsos profetas aos verdadeiros, porque os falsos profetas lhe contavam mentiras. As mentiras são doces; a verdade é amarga.
Os políticos romanos sabiam que o povo se enrola com pão e circo. No tempo dos romanos, o circo eram os cristãos sendo devorados pelos leões. E como o povo gostava de ver o sangue e ouvir os gritos!
As coisas mudaram. Os cristãos, de comida para os leões, se transformaram em donos do circo. O circo cristão era diferente: judeus, bruxas e hereges sendo queimados em praças públicas. As praças ficavam apinhadas com o povo em festa, se alegrando com o cheiro de churrasco e os gritos.
Reinhold Niebuhr, teólogo moral protestante, no seu livro "O Homem Moral e a Sociedade Imoral" observa que os indivíduos, isolados, têm consciência. São seres morais. Sentem-se "responsáveis" por aquilo que fazem. Mas quando passam a pertencer a um grupo, a razão é silenciada pelas emoções colectivas. Indivíduos que, isoladamente, são incapazes de fazer mal a uma borboleta, se incorporados a um grupo tornam-se capazes dos actos mais cruéis. Participam de linchamentos, são capazes de pôr fogo num índio adormecido e de jogar uma bomba no meio da torcida do time rival. Indivíduos são seres morais. Mas o povo não é moral. O povo é uma prostituta que se vende a preço baixo. Seria maravilhoso se o povo agisse de forma racional, segundo a verdade e segundo os interesses da colectividade.
É sobre esse pressuposto que se constrói a democracia. Mas uma das características do povo é a facilidade com que ele é enganado. O povo é movido pelo poder das imagens e não pelo poder da razão. Quem decide as eleições e a democracia são os produtores de imagens. Os votos, nas eleições, dizem quem é o artista que produz as imagens mais sedutoras. O povo não pensa. Somente os indivíduos pensam. Mas o povo detesta os indivíduos que se recusam a ser assimilados à colectividade. Uma coisa é a massa de manobra sobre a qual os espertos trabalham.
Nem Freud, nem Nietzsche e nem Jesus Cristo confiavam no povo. Jesus foi crucificado pelo voto popular, que elegeu Barrabás. Durante a revolução cultural, na China de Mao-Tse-Tung, o povo queimava violinos em nome da verdade proletária. Não sei que outras coisas o povo é capaz de queimar. O nazismo era um movimento popular. O povo alemão amava o Führer. O povo, unido, jamais será vencido!
Tenho vários gostos que não são populares. Alguns já me acusaram de gostos aristocráticos. Mas, que posso fazer? Gosto de Bach, de Brahms, de Fernando Pessoa, de Nietzsche, de silêncio; não gosto de churrasco, não gosto de rock, não gosto de música sertaneja, não gosto de futebol. Tenho medo de que, num eventual triunfo do gosto do povo, eu venha a ser obrigado a queimar os meus gostos e a engolir sapos e a brincar de "boca-de-forno", à semelhança do que aconteceu na China.
De vez em quando, raramente, o povo fica bonito. Mas, para que esse acontecimento raro aconteça, é preciso que um poeta entoe uma canção e o povo escute: "Caminhando e cantando e seguindo a canção.", Isso é tarefa para os artistas e educadores. O povo que amo não é uma realidade, é uma esperança.

Rubem Alves, colunista da Folha de S. Paulo

8 comentários:

Janita disse...

Querido amigo Luis.

Texto aparentemente polémico mas, denunciador de uma realidade Universal!
Esperemos que o Povo acorde a tempo de olhar para os exemplos do passado.
Há quanto tempo não o vejo lá meu cantinho, amigo Luis! Espero que esteja bem e desejo-lhe um óptimo NOVO ANO.
Beijinhos
Janita

Maysha disse...

Caro amigo Luis, que prazer receber a sua visita.
Um bom ano para si e familia, que seja um ano pleno de realizações sempre com Saude, Paz e Amor, que são o mais importante.
Boas Festas, Feliz Ano Novo
Beijo de amizade
Maysha

Jacque disse...

Oi Luis ! Vc ainda não pegou meu cartãozinho de aniversário...
Eu estou oferecendo minha lembrancinha de aniversário, no meu "BLOG AGUA DE ROSAS..." apareça !
Postei antes do dia do aniversário, porque vai ser dia 1° de janeiro...

FELIZ ANO NOVO !

JACQUE

São disse...

Meu caro Luís, o texto é interessante, sim.


Que o resto de 2010 seja agradável e que 2011 seja pródigo em saúde, amor e paz para si e para quem (o) ama.

Um abraço amigo.

Rafeiro Perfumado disse...

Mas no fundo deverá ser sempre o povo a mandar. Pior é quando alguém consegue levar o povo a impor "ditaduras da maioria", é então que os problemas realmente surgem.

Grande abraço!

Lu e Dani disse...

Oi Luis, é sempre bom recebê-lo em nosso espaço! Desejo um 2011 cheio de alegrias,realizações, paz,muita paz e amor em sua vida. Que continue sendo essa pessoa especial que é. Um grande abraço carinhoso

José disse...

Caro amigo Luís!
Desculpe lá eu não ter aparecido por aqui, o tempo que tenho é tão pouco, e cada vez é menos, mas bem gerido, ainda vai dando, e eu nunca me esqueço dos amigos.
Eu sou do povo, e trabalhei nalguns países da Europa, com pessoas de vários países, e foi com pessoas do meu país que tive mais dificuldade, em me relacionar,são ciumentos, deixam-se vender por qualquer preço, cheguei a envergonhar-mo tantas vezes, das atitudes de muitos dos meus conterrâneos,"dizem que cada um tem aquilo que merece." eu não concordo muito com isto, eu não merece, e o Luís também não ter os políticos que temos.

Um grande abraço,
José

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Luis disse...

A Todos o meu muito Obrigado pela Vosso Carinho que sempre me demonstraram no decorrer deste ano que finda. Sem esse estímulo seria mais difícil manter o Blogue em dia!!!! A Amizade sempre demonstrada e os Vossos comentários sempre muito oportunos são a razão da sua existência!
A Todos um 2011 bem melhor do que o que agora finda!