"Vós que lá do vosso império, prometeis um mundo novo...CUIDADO, que pode o povo, querer um mundo novo a SÉRIO!" In: António Aleixo

29/03/2014

Passos Coelho, o calcinhas português





Em mais uma reação ao "Manifesto dos 70", que tão nervoso deixou o governo, Passos Coelho disse que ele revela "uma concepção infantil, nem sequer é política, da Europa". Infantil porquê? "Estão a falar de uma Europa que não existe, nem existirá e ainda bem, porque ninguém aceitaria uma Europa em que uns poupam para que outros possam gastar". 

Repare-se que Passos não apela a um suposto realismo. Ele diz que ainda bem que a tal Europa não existe. E explica que essa Europa que felizmente não existe é aquela em que uns poupam e outros gastam. A dicotomia não é entre credores e devedores, centro e periferia, economias mais e menos desenvolvidas. Nada disso. Ele remete-nos para distinções éticas. Uns são poupados, outros gastadores. Eles vítimas pacientes, nós abusadores infantilizados.

Podia discutir a infantilidade (devolve-se o epíteto) deste ponto de vista. Mas isso obrigar-me-ia a descer o nível intelectual do debate até à imbecilidade. Não consigo. 

Poderia mostrar, através de quase todos os dados fundamentais, como este preconceito racista (estou a medir as palavras) é contrariado por quase todos os factos. Mas isso só faria sentido se estivesse a discutir com alguém que não conhece a realidade do País. O preconceito perdoa-se ao ignorante. Podia indignar-me com a utilização de estereótipos como arma política. Mas isso só faria sentido se estivesse a debater com um qualquer político estrangeiro e me visse obrigado a defender o bom nome de Portugal. Na realidade, tal como disse Constança Cunha e Sá, apenas um líder de um partido de extrema-direita do norte da Europa teria o desplante de fazer este tipo de simplificação das relações entre Estados membros da União Europeia e lançar este anátema sobre os países periféricos. Acontece que esta frase é do primeiro-ministro de Portugal. É ele, e não Angela Merkel ou mesmo Marine Le Pen, que se encarrega de alimentar o preconceito contra os portugueses.

Indigna-me a insensibilidade social de Passos Coelho, que muitas vezes se evidencia na frieza com que fala do "ajustamento interno" (que, traduzido para a vida prática, corresponde ao engrossar do exército novos pobres vindos da classe média, que deixaram de poder comer peixe e carne ou de aquecer a casa). Mas poucas coisas me deixam mais perplexo do que o seu deslumbramento provinciano. Um sentimento comum em muitos portugueses, que se traduz nos elogios ao que se faz "lá fora" e à autoflagelação por coisas que "só neste País" acontecem. Um complexo de inferioridade que é responsável por muitos dos erros que cometemos no passado recente, a começar pela falta de sentido critico que mantivemos em todo o processo da nossa integração europeia. Mas como Passos Coelho a coisa chega a um ponto que roça o racismo contra nós próprios. Se isso seria incómodo em qualquer cidadão, num primeiro-ministro de um país em crise, deprimido e intervencionado por instituições externas, é assustador. Como pode o governo negociar com outros Estados e instituições externas se o homem que o dirige é o primeiro a produzir o argumentário e a reproduzir os preconceitos que são usados contra o seu próprio povo?

No passado, quando Portugal ainda tinha um Império, usava-se um termo para os mestiços assimilados, que supostamente queriam ser considerados "civilizados". Eram os "calcinhas". Apesar da ter várias leituras, conforme quem a usava, a expressão era geralmente pejorativa e carregada de preconceito. O africano podia fazer o esforço para se vestir como o branco, falar como o branco e até pensar como o branco. Podia também ser mais instruído que o colono vindo das berças. Aos olhos do branco, nunca seria um deles. Um "preto de calcinhas", mas um "preto". É uma coisa que o nosso "calcinhas" um dia perceberá sobre si próprio e o papel que decidiu desempenhar nesta Europa em crise: que se pode esforçar para repetir o que os líderes das Nações que ele considera "civilizadas" pensam sobre esta "piolheira" e a excelente opinião que têm - e ainda bem para eles - sobre os seus próprio Países. Pode até dizer o que apenas o alemão mais preconceituoso pensa de nós. Será sempre apenas e só "the nice guy", como lhe chamou Angela Merkel quando o conheceu. Um "tuga" que gostaria de não o ser e que vive deslumbrado pelo seu próprio "colono".

Daniel Oliveira Quinta, 27 Mar

NOTA: 
Esta "guerra" ao Manifesto é na realidade estranha até porque o Governo está sempre pedindo que lhe sejam apresentadas soluções para se encontrarem pontos de encontro e acordos e afinal sempre que tal acontece entra em rotura como só ele tivesse a verdade!
Afinal a nossa democracia é muito autocrática seja qual for o partido que estiver no poder... Atente-se que este Manifesto abarca uma plêiade de pessoas dos diversos quadrantes políticos e começa a ter a aceitação até de entidades doutros países inclusivé da Alemanha! 
Passos Coelho bem pode rezar que desta forma não nos levará a lado nenhum pois a jogar ao teimoso só nos levará a uma maior desgraça. Os cortes a continuarem acabará por matar "a galinha dos ovos de ouro" e depois ...

2 comentários:

São disse...

Daniel Oliveira está coberto de razão!

E quanto ao Manifesto e à virulência da reacção ao mesmo por parte de Passos,reformado algarvio e apoiantes já escrevei mo meu blogue.

Bons sonhos, meu caro amigo

Luis disse...

Minha Amiga São,
A "teia" que os partidos organizaram não nos deixa ir para a frente e acabar com os desperdícios que inventaram para tratarem "bem" os seus bois e vacas sagradas...
Beijinhos amigos e solidários.