Opus Dei
/Maçonaria
(a história do BCP).
Em países onde o
capitalismo, as leis da concorrência e a seriedade do negócio
bancário são levados a sério, a inacreditável história do BCP já
teria levado a prisões e a um escândalo público de todo o tamanho. Em
Portugal, como tudo vai acabar sem responsáveis e sem
responsabilidades, convém recordar os principais momentos deste
"case study", para que ao menos a falta de vergonha não
passe impune.
1. Até ao 25 de Abril, o
negócio bancário em Portugal obedecia a regras simples:
Cada grande
família, intimamente ligada ao regime, tinha o seu banco. Os bancos
tinham um só dono ou uma só família como dono e sustentavam os demais
negócios do respectivo grupo. Com o 25 de Abril e a nacionalização
sumária de toda a banca, entrámos num período 'revolucionário' em que
"a banca ao serviço do povo" se traduzia, aos olhos do
povo, por uns camaradas mal vestidos e mal-encarados que nos atendiam
aos balcões como se nos estivessem a fazer um grande favor.
Jardim Gonçalves veio revolucionar isso, com a criação do BCP e, mais
tarde, da Nova Rede, onde as pessoas passaram a ser tratadas como
clientes e recebidas por profissionais do ofício. Mas, mais: ele
conseguiu criar um banco através de um MBO informal que, na prática,
assentava na ideia de valorizar a competência sobre o capital.
O BCP reuniu uma série de accionistas fundadores, mas quem de facto
mandava eram os administradores - que não tinham capital, mas tinham
"know-how".
Todos os fundadores aceitaram o contrato proposto pelo
"engenheiro" - à exceção de Américo
Amorim, que tratou de sair, com grandes lucros, assim que achou que os
gestores não respeitavam o estatuto a que se achava com direito (e
dinheiro).
2. Com essa imagem,
aliás merecida, de profissionalismo e competência, o BCP foi
crescendo, crescendo, até se tornar o maior banco privado português,
apenas atrás do único banco público, a Caixa Geral de Depósitos.
E, de cada vez que crescia, era necessário
um aumento de capital. E,
em cada aumento de capital, era necessário evitar que algum acionista
individual ganhasse tanta dimensão que pudesse passar a interferir na
gestão do banco.
Para tal, o BCP
começou a fazer coisas pouco recomendáveis: aos
pequenos depositantes, que lhe tinham confiado as suas poupanças para
gestão, o BCP tratava de lhes comprar, obviamente sem os consultar,
acções do próprio banco nos aumentos de capital, deixando-os depois
desamparados nas perdas da bolsa;
Aos grandes depositantes
e amigos dos gestores, abria-lhes créditos de milhões em
"off-shores" para comprarem acções do banco, cobrindo-lhes,
em caso de necessidade, os prejuízos do investimento.
Desta forma
exemplar, o banco financiou o seu crescimento com o pêlo do próprio
cão, aliás, com o dinheiro dos depositantes - e subtraiu ao Estado
uma fortuna em lucros não declarados para impostos.
Ano após ano, também
o próprio BCP declarava lucros astronómicos, pelos quais pagava menos
de impostos do que os porteiros do banco pagavam de IRS em
percentagem. E
, enquanto isso, aqueles que lhe tinham confiado as suas pequenas ou
médias poupanças viam-nas sistematicamente estagnadas ou até
diminuídas e, de seis em seis meses, recebiam uma carta-circular do
engenheiro a explicar que os mercados estavam muito mal.
3. Depois, e seguindo a
velha profecia marxista, o BCP quis crescer ainda mais e engolir o
BPI.
Não conseguiu,
mas, no processo, o engenheiro trucidou o sucessor que ele próprio
havia escolhido, mostrando que a tímida "renovação"
anunciada não passava de uma farsa. Descobriu-se ainda uma outra
coisa extraordinária e que se diria impossível: que o BCP e o
BPI tinham participações cruzadas, ao ponto de hoje o BPI deter 8% do
capital do BCP e, como maior acionista individual, ter-se tornado
determinante no processo de escolha da nova administração... Do
concorrente! Como se fosse a coisa mais natural do mundo, o
presidente do BPI dá uma conferência de imprensa a explicar quem deve
integrar a nova administração do banco que o quis opar e com o qual é
suposto concorrer no mercado, todos os dias...
4. Instalada entretanto a
guerra interna, entra em cena o notável comendador
Berardo, ele é só o homem que mais riqueza acumula
e menos produz no país (protegido pelo 1º Ministro (a
Sócretina), que lhe deu um museu do Estado para armazenar a colecção
de arte privada. Mas, verdade se diga, as brasas espalhadas por Berardo
tiveram o mérito de revelar segredos ocultos e inconfessáveis daquela
casa. E assim ficámos a saber que o filho do engenheiro fora financiado em
milhões para um negócio de vão de escada, e perdoado em milhões
quando o negócio inevitavelmente foi por água abaixo. E que havia também
amigos do engenheiro e da administração, gente que se prestara ao
esquema das "off-shores", que igualmente viam os seus
créditos malparados serem perdoados e esquecidos por acto de favor
pessoal.
5. E foi quando,
lá do fundo do sono dos justos onde dormia tranquilo, acorda
inesperadamente o governador do Banco de Portugal e resolve dizer que
já bastava: aquela gente não podia continuar a dirigir o banco, sob
pena de acontecer alguma coisa de mais grave - como, por exemplo, a
própria falência, a prazo.
6. Reúnem-se, então, as
seguintes personalidades de eleição: o comendador
Berardo, o presidente de uma empresa pública com participação
no BCP e ele próprio ex-ministro de um governo PSD e da confiança
pessoal de Sócrates, mais, ao que consta, alguém em representação do
doutor "honoris causa" Stanley Ho - a quem tantos
socialistas tanto devem e vice-versa. E, entre todos, congeminam um
"take over" sobre a administração do BCP, com o
"agréement" do dr. Fernando Ulrich, do BPI..
E olhando para o panorama perturbante a que se tinha chegado, a
juntar ao súbito despertar do dr. Vítor Constâncio, acharam todos
avisado entregar o BCP ao PS. Para que não restassem dúvidas das suas
boas intenções, até concordaram em
que a vice-presidência fosse entregue ao sr. Armando Vara (que também
usa 'dr.') - fabuloso expoente político e bancário que o país
inteiro conhece e respeita.
7. E eis como um
banco, que era tão independente, que fazia tremer os governos,
desagua nos braços cândidos de um partido político - e logo o do
Governo. E eis como um banco, que era tão cristão, tão "opus dei",
tão boas famílias, acaba na esfera dessa curiosa seita do avental, a
que chamam maçonaria.
8. E, revelada a trama em
todo o seu esplendor, que faz o líder da oposição?
Pede em troca, para o seu partido, a Caixa
Geral de Depósitos, o banco público.
Pede e vai receber, porque há 'matérias de regime' que mesmo um
governo que tenha maioria absoluta no parlamento não se atreve a pôr
em causa. Um governo inteligente, em Portugal, sabe que nunca pode
abocanhar o bolo todo. Sob pena de os escândalos começarem a rolar na
praça pública, não pode haver durante muito tempo um pequeno exército
de desempregados da Grande Família do Bloco Central.
Se alguém me tivesse contado esta história,
eu não teria acreditado…
Mas vemos, ouvimos e lemos. E foi tal e qual.
Miguel
Sousa Tavares
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