"Vós que lá do vosso império, prometeis um mundo novo...CUIDADO, que pode o povo, querer um mundo novo a SÉRIO!" In: António Aleixo

27/11/2009

O IMPÉRIO DO SEGREDO!


O ministro Vieira da Silva, que é um homem sério, íntegro e exemplarmente discreto, quebrou há dias a serenidade do seu juízo ao qualificar de «espionagem política» a existência de escutas telefónicas judiciais a conversas entre Armando Vara e José Sócrates. «Espionagem política»? Que se saiba, o escutado era Armando Vara, arguido no caso ‘Face Oculta’, e Sócrates só aparece em algumas certidões por ter sido interlocutor do seu amigo Vara em conversas cujo conteúdo se mantém oficialmente secreto.

Para falar em «espionagem política» seria preciso, quanto muito, que o objecto das escutas fosse directamente o primeiro-ministro e não existisse a necessária autorização da entidade competente (o presidente do Supremo Tribunal de Justiça). Uma coisa é alguém ser abusivamente escutado à margem da lei, outra é ser ouvido em conversas com um alvo de escutas devidamente autorizadas no âmbito de uma investigação em curso.

As conversas já conhecidas – mas oficialmente secretas – entre Vara e Sócrates não versariam sobre a ‘Face Oculta’ e não conteriam matéria de relevância criminal: será isso que explica a decisão de Noronha Nascimento de mandar destruir as respectivas gravações. Tal é também o juízo do procurador-geral da República, apesar do incompreensível diálogo de surdos que persiste entre as duas mais importantes figuras da nossa magistratura.

No entanto, esta decisão suscitou uma intensa polémica entre conhecidos juristas e penalistas, uns concordando com a destruição das gravações, outros defendendo a sua preservação, pelo menos até ao trânsito em julgado (nomeadamente, para assegurar os direitos da defesa, como já aconteceu em processos que fizeram jurisprudência a nível internacional).

Mas outra questão, porventura mais delicada, emerge dos telefonemas entre Vara e Sócrates: a de, eventualmente, neles terem sido tratados assuntos que podem configurar atentados às regras do Estado de Direito, como o tráfico de influências (a imprensa referiu a compra da TVI pela PT e o favorecimento bancário do grupo de media de Joaquim Oliveira). Parece ser esse, precisamente, o entendimento das entidades judiciais de Aveiro ligadas ao caso ‘Face Oculta’, embora em Lisboa o entendimento seja o inverso sem que se perceba porquê.

A confirmarem-se essas suspeitas, deveria verificar-se a abertura de um novo processo, no qual José Sócrates apareceria não apenas como interlocutor privado e amigo de Armando Vara mas como protagonista político de actos sancionados pela lei.

É aqui que as coisas se complicam, do ponto de vista dos formalismos jurídicos, uma vez que Sócrates foi escutado acidentalmente no decorrer de conversas cujo alvo não era ele mas Vara. E, de acordo com esses formalismos, supõe-se que a Sócrates só poderiam ser imputados crimes lesivos do Estado de Direito se fosse ele mesmo o objecto das escutas.

Ora, para quem é alheio às minudências jurídicas, como é o caso do autor desta crónica e da esmagadora maioria dos cidadãos, tal situação motiva a maior perplexidade: se alguém, detentor de um cargo público de primeiro plano, surge acidentalmente como suspeito de cometer infracções criminais graves – embora estranhas à matéria de um determinado processo a que ele é alheio –, a Justiça deverá fazer ouvidos de mercador? Não se justificará a abertura de uma nova investigação a partir dos indícios recolhidos num outro processo, se esses indícios forem indiscutivelmente relevantes? O que é mais importante, afinal: as minudências jurídicas ou a descoberta da verdade?

Sei que qualquer cidadão – seja ele quem for, primeiro-ministro, banqueiro, administrador público, empresário, sucateiro, anónimo português com profissão ou sem ela – tem todo o direito de fazer valer a presunção da sua inocência e não ser julgado na praça pública. Mas sei, também, que quando a Justiça funciona numa redoma e impõe o império do segredo para além de razoáveis limites processuais, o tubo de escape das suspeições é a violação desse segredo.

E isso não acontece apenas em Portugal, mas em todos os Estados democráticos. Ainda há pouco tempo, um jornal tão sério como o Le Monde não teve pejo em recorrer ao que tecnicamente designaríamos como ‘violação do segredo de Justiça’ para descrever com extrema minúcia os bastidores do chamado caso ‘Clearstream’, envolvendo destacadas figuras políticas como o antigo primeiro-ministro Villepin.
Recordava há dias Pedro Lomba, numa crónica no Público, citando Benjamin Constant, que «a única garantia dos cidadãos contra o arbítrio é a publicidade». De facto, quanto mais as instituições se fecham dentro do muro dos segredos, a publicitação das ‘faces ocultas’ pode ser a única alternativa que resta para questionar a impunidade dos poderosos e salvaguardar a transparência do regime democrático.

Chegámos, infelizmente, a um ponto em que a violação do segredo de Justiça se mostra, muitas vezes, o recurso de última instância para combater o império do segredo que favorece a arbitrariedade. É isso que os principais responsáveis da magistratura portuguesa são incapazes de assumir. Aliás, quando Pinto Monteiro afirma ao Expresso que «se depender de mim, divulgo as escutas para isto acalmar», ele limita-se à confirmação patética dessa realidade. Esconder e proibir apenas serve para alimentar o clima de suspeições.

Evidentemente, o recurso sistemático e exclusivo à violação do segredo de Justiça pode ter consequências nefastas para o equilíbrio dos poderes em democracia, exacerbando o poder dos media em detrimento do poder político ou do poder judicial. Não tenho ilusões sobre os motivos sórdidos que alimentam muitas dessas violações – quando vale tudo para aumentar audiências ou vender papel. Mas esse é o efeito fatal da causa indefensável que sustenta o império do segredo.

por vicentejorgesilva, 20 November 09


2 comentários:

Mariazita disse...

Estou de passagem apenas para desejar um bom fim de semana.

Vou "viajar" no fim de semana, mas deixo programado um capítulo da anita .
Assim continuarei na companhia de todos :)))

Fica bem.

Beijinhos
Mariazita

Luis disse...

Amiga Maria zita,
Obrigado pela sua atenção e claro vou seguir a Anita!
Um beijinho amigo.