"Vós que lá do vosso império, prometeis um mundo novo...CUIDADO, que pode o povo, querer um mundo novo a SÉRIO!" In: António Aleixo

16/01/2011

Redução de vencimentos: um texto lúcido do Prof. Luís Menezes Leitão,



Fico perfeitamente siderado quando vejo constitucionalistas a dizer que não há qualquer problema constitucional em decretar uma redução de salários na função pública.

Obviamente que o facto de muitos dos visados por essa medida ficarem insolventes e, como se viu na Roménia, até ocorrerem suicídios, é apenas um pormenor sem importância.

De facto, nessa perspectiva a Constituição tudo permite. É perfeitamente constitucional confiscar sem indemnização os rendimentos das pessoas.

É igualmente constitucional o Estado decretar unilateralmente a extinção das suas obrigações apenas em relação a alguns dos seus credores, escolhendo naturalmente os mais frágeis.

E finalmente é constitucional que as necessidades financeiras do Estado sejam cobertas aumentando os encargos apenas sobre uma categoria de cidadãos.

Tudo isto é de uma constitucionalidade cristalina. Resta acrescentar apenas que provavelmente se estará a falar, não da Constituição Portuguesa, mas da Constituição da Coreia do Norte.

É por isso que neste momento tenho vontade de recordar Marcello Caetano, não apenas o último Presidente do Conselho do Estado Novo, mas também o prestigiado fundador da escola de Direito Público de Lisboa.

No seu Manual de Direito Administrativo, II, 1980, p. 759, deixou escrito que uma redução de vencimentos "importaria para o funcionário uma degradação ou baixa de posto que só se concebe como grave sanção penal".

Bem pode assim a Constituição de 1976 proclamar no seu preâmbulo que "o Movimento das Forças Armadas [...) derrubou o regime fascista".

Na perspectiva de alguns constitucionalistas, acabou por consagrar um regime constitucional que permite livremente atentar contra os direitos das pessoas de uma forma que repugnaria até ao último Presidente do Estado Novo.

Diz o povo que "atrás de mim virá quem de mim bom fará". Se no sítio onde estiver, Marcello Caetano pudesse olhar para o estado a que deixaram chegar o regime constitucional que o substituiu, não deixaria de rir a bom rir com a situação.

'Perderei a minha utilidade no dia em que abafar a voz da consciência em mim'.
Mahatma Gandhi

Enviado por E-mail pelo Amigo Serra Pinto


2 comentários:

A. João Soares disse...

Caro Luís,

Perante estes argumentos com base na Constituição e outras leis, apetece dizer que devemos desprezar todos esses instrumentos de tortura criados pelos poderosos para melhor poderem explorar e dominar os fracos do País. Eles partem e repartem e ficam sempre com todas as partes e deixam para os cidadãos apenas migalhas.

Por este andar a vida da humanidade será pior do que a selva onde os animais não têm constituição nem leis, mas obedecem a regras de e convivência naturais, dotadas pela necessidade de se respeitarem e darem aos outros o direito de viver como eles.

Entre o ser humano as leis feitas pelos mais fortes, nada respeitam dos restantes. Acima da lei e das estatísticas feitas «à maneira», está o povo, os direitos das pessoas.

Pelo caminho que os políticos estão a dar ao Interesse público, do Estrado, dos portugueses, temo muito pelos dias futuros. A ocorrência na Tunísia devia ser um toque de alvorada para os políticos acordarem e tentarem, se puderem, pensar um pouco nas realidades do País e naquilo que era suposto fazer depois de serem eleitos e seu pedido.

Abraço
João
Do Miradouro

Luis disse...

Caríssimo Amigo João,
Ao vermos como vivemos a SELVA é um PARAÍSO! Sabemos quem nos pode fazer mal e podemos fugir deles!
Aqui são na maioria das vezes "lobos famintos em pele de ovelha" que nos comem sem que possamos reagir pela surpresa que nos avassala a cada momento!
Um forte e solidário abraço.