O agravamento de uma cultura do ressentimento e da desconfiança
entre Estados e povos europeus é notório
Em entrevista à Der Spiegel, Jean-Claude Juncker, primeiro-ministro do Luxemburgo e antigo
presidente do Eurogrupo, chamou a atenção para o risco de guerra na Europa.
Fitando o sinuoso curso
da crise europeia, focando-se nos sinais inquietantes das eleições gregas e
italianas, olhando para as sucessivas declarações de dirigentes alemães,
Juncker vislumbra perigosas analogias com o clima europeu que precedeu a I
Guerra Mundial.
Curiosamente, entre as
várias razões que levaram Joseph Ratzinger a escolher o nome de Bento XVI
encontra-se precisamente a homenagem a Bento XV (1914-1922), como o Papa da paz
na Europa. Não deixa de ser altamente significativo que Joseph Ratzinger - que, como intelectual e homem de cultura,
escreveu insistentemente sobre a Europa, a sua crise e os seus desafios - tenha
detectado similitudes e identidades entre a situação europeia de 1913-1914 e a
situação de 2005, chegando ao ponto de ter “recuperado” o nome de
Bento para o magistério papal. Com efeito, o facto de o Papa emérito, grande
conhecedor da Europa e da sua história, ter compreendido - logo em 2005 - a
necessidade de se inspirar num construtor activo da paz
Europeu é bem revelador. E, por outro lado, a circunstância de um
europeísta convicto, primeiro-ministro em funções há quase vinte anos, vir
agora advertir para as ameaças à paz na Europa não será decerto da ordem do delírio.
Para quem lê estas crónicas - e outros escritos mais -, o perigo
ou o risco de uma nova guerra civil europeia não chega a ser também uma
novidade. De há muito, mas em especial desde os alvores de 2011, que apregoo a
ideia de que o trilho que os europeus estão a percorrer não os afasta - bem
pelo contrário - da sua tradição milenar de solução bélica dos conflitos. O
agravamento de uma cultura do ressentimento e da desconfiança entre Estados e
povos
europeus é notório. A multiplicação de focos de conflito político
potencial – seja por movimentos
secessionistas, seja por rivalidades nacionalistas - é outrossim evidente. O
aprofundamento das tensões sociais e económicas, que potencia o clima de
convulsões políticas internas, mostra-se agora ostensivo. Nada disto conduz, necessariamente
e por si, a um cenário de guerra. Mas tudo isto contribui seriamente para não
podermos deixar de contar com ele.
Não é preciso voltar a falar na situação política
que grassa no cordão que vai da Hungria à Bulgária, passando pela Roménia. Não
é necessário encarecer o papel que a Rússia joga hoje junto da Sérvia, da Bulgária,
de Chipre e das relevantíssimas minorias russas nos países bálticos. Isso para
não falar da Moldávia ou do Cáucaso, com destaque para a Geórgia. Não vale a pena
regressar ao roteiro das secessões ocidentais que vai da Flandres à Catalunha e
da Padânia à Escócia. E nem merece o esforço perorar sobre as tensões Norte-Sul,
com uma retórica musculada em países como a Holanda ou a Finlândia e com um anti-germanismo
latente na Itália, na Grécia ou na Espanha. Tudo isto, evidentemente, sem
esquecer os problemas
complexos
e potencialmente explosivos suscitados por alguns fenómenos migratórios. E também
sem olvidar os factores externos, designadamente a
instabilidade no flanco mediterrânico e o perigo “jihadista” alojado no Sahel.
Olhando com olhos de ver para todo este intrincado xadrez, não é difícil adivinhar
como estão inquinadas as águas que tantos supõem paradas.
A discussão à volta das Forças
Armadas portuguesas e da sua reestruturação - ou até eventual refundação… - não
pode ser feita à revelia destes perigos e riscos. A questão das Forças Armadas tem
sido, frequentes vezes, posta na óptica de um conceito acrítico (datado e ultrapassado)
de soberania ou na “mera” disponibilidade para missões externas. Chega-se mesmo
a pôr a questão no estrito plano da capacidade ou aptidão para uma defesa “física” do território perante uma ameaça clássica vinda do
exterior. E considerando-se essa ameaça clássica como inverosímil, logo se
adianta um rol de razões para traçar o destino às Forças Armadas portuguesas.
A compreensão de que Portugal acaba de
regressar, há cerca de 40 anos, às suas fronteiras europeias e a compreensão de
que a geopolítica europeia continua tão volúvel e variável como sempre deveriam
fazer-nos pensar. Pensar, em primeira via, que as Forças Armadas são das poucas
instituições que têm memória. E que a memória é indispensável para saber lidar
com as movimentações tectónicas que estão em curso. Pensar, em segunda via, que
grande parte das nossas apostas económicas e políticas carecem de um sentido
estratégico. E que esse apuro estratégico tem de ser procurado junto das
instituições que dispõem desse saber e da dita memória histórica. A tão
celebrada modernização das Forças Armadas não passa apenas pelo
racionamento
ou pela racionalização de meios. A modernização das nossas forças militares
passa, isso sim, pela capacidade de introduzir saber estratégico nos mais variados
circuitos de decisão e de produção de informação. As decisões mais marcantes na
política agrícola, no domínio ambiental, na escolha de mercados, na política de
transportes, na coesão territorial, na
política
externa, na frente energética, etc., não podem nem devem ser tomadas sem a
contribuição
da variável militar. A integração da dimensão da defesa (ou da estratégia) na
escolha
política e nas escolhas sectoriais é determinante para a modernização da nossa força
armada.
Sopra uma brisa. Por vezes, parece agradável;
por vezes, parece incómoda. Convém contar com ela.
Eurodeputado (PSD). Escreve à terça-feira
paulo.rangel@europarl.europa.eu
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