Não sou
nem nunca fui adepto de teorias da conspiração. Em 99% dos casos não passam de
fantasias delirantes. Por isso, o leitor não inclua por favor a história que
vou contar nessa categoria.
Quando o
Governo nacionalizou o BPN, os accionistas da sociedade, por intermédio de
Miguel Cadilhe (que não é propriamente uma pessoa sem credibilidade), tinham
acabado de apresentar uma proposta de viabilização do banco. O Governo
recusou-a e partiu para a nacionalização, com o argumento de estar a defender
as poupanças dos pequenos depositantes.
Sabe-se
no que aquilo deu.
Assim,
não é correcto atirar todas as culpas para os accionistas. Estes
propuseram-se salvar o banco, o Governo é que não os deixou. Claro que
podiam não o ter conseguido. Mas, aí, a responsabilidade seria deles – e o Estado não se teria metido
naquela alhada.
Recorde-se
que, na altura em que o BPN foi nacionalizado, o Governo controlava a CGD (que
é pública) e já dominava o BCP, através de Santos Ferreira e Armando Vara, ambos
socialistas e próximos de Sócrates, que tinham vindo da Caixa para ali. Simultaneamente,
Sócrates mantinha óptimas relações com o BES, dada a sua conhecida boa relação
com Ricardo Salgado, que sempre o defendeu (quebrando a distância que mantivera
no passado em relação à política). O Banif também era muito vulnerável às pressões governamentais, dada a sua
precária situação financeira.
Pode pois
dizer-se que, com a nacionalização do BPN, o primeiro-ministro passou a
‘controlar’ boa parte da banca portuguesa: controlo directo da Caixa e do BPN,
ascendente sobre o BCP, grande proximidade com o BES e neutralidade do Banif. Só
verdadeiramente o BPI, liderado pelo irreverente Fernando Ulrich, escapava ao
controlo do Governo socialista. E, mesmo assim, Sócrates namorou o chaiman daquele banco, Artur Santos
Silva, convidando-o para elevados cargos.
Vejamos,
agora, o sector dos media.
Sócrates
controlava directamente o grupo RTP, que é do Estado (e do qual faz parte a
RDP). Tinha
também bastante influência na Controlinvest, mercê das dívidas deste grupo à
banca, sendo do domínio público os telefonemas cúmplices entre José Sócrates e
Joaquim Oliveira. E a
Controlinvest inclui meios como o Diário de Notícias, o Jornal de Notícias, a
Máxima e a TSF. Sócrates
mantinha também relações estreitas com a Ongoing, de Nuno Vasconcellos e Rafael
Mora, detentora do Diário Económico. Entretanto, através da PT, o Governo montou uma operação para comprar o
grupo TVI, mandando um emissário a Espanha (Rui Pedro Soares) para tratar do negócio. Este
grupo, além da TVI, detém meios como a Lux e a Rádio Comercial.
Só fugiam
ao controlo do Governo o grupo Impresa, liderado por Balsemão, e o grupo
Cofina, de Paulo Fernandes. Mesmo assim, ainda houve uma tentativa de assalto à Impresa por parte da
Ongoing. Quanto à
Cofina, o Governo conhecia bem a vocação ‘negociante’ de Paulo Fernandes e
nunca recearia muitos males vindos daí. Finalmente, José Sócrates fez uma tentativa para fechar o SOL – através
precisamente do BCP, que era accionista do jornal. O SOL era um David ao pé de vários Golias, mas irritaria Sócrates
precisamente por ser um dos poucos media que ele não controlava. E –
recorde-se – foi este jornal que denunciou o caso Freeport, o caso Face Oculta
(compra da TVI e tentativa de controlo de outros media) e o caso Tagusparque
(apoio eleitoral de Luís Figo).
Fica
claro, portanto, que houve um momento em que José Sócrates esteve mesmo à beira
de dominar ou ter o apoio de importantes meios de três sectores nevrálgicos:
– Banca,
com a CGD, o BPN, o BCP e o BES;
–
Comunicação social,com a RTP, a RDP, o DN, a TSF, o JN e a tentativa de compra
da TVI;
– Poder
político, através do domínio da máquina do Governo e do aparelho do partido,
onde não se ouvia uma única voz dissonante.
Só hoje,
quando olhamos para essa época, percebemos até que ponto estivemos à beira do
abismo. Como foi possível permitir que se concentrasse tanto poder nas mãos de
um homem psicologicamente tão instável? E como foi possível derrubá-lo?
O que
derrotou Sócrates, primeiro, foram as contas públicas – que, contrariamente aos
outros sectores, ele se revelou incapaz de controlar. Tentou até à última
esticar a corda e evitar um Resgate, mas a corda acabou por partir – e isso foi
a sua primeira grande derrota.
Depois
foi a derrota eleitoral. E esta
constitui uma homenagem à democracia. A democracia mostrou a sua força ao conseguir apear um homem que, à escala
do país, acumulou um enorme poder ‘de facto’.
Ele
julgar-se-ia quase invencível, mas as urnas derrubaram-no. Por isso,
é muito natural que, embora afirme o contrário, hoje odeie a democracia.
P.S. – Numa entrevista publicada no
fim-de-semana, Sócrates mostrou por que lhe tenho chamado ‘o Vale e Azevedo da
política’. Com uma diferença: Vale e Azevedo é mais educado.
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