Em Maio de 1926, teve inicio um movimento militar que haveria de pôr fim à 1.ª República. Portugal vivia em profunda crise. Financeira, económica e política. O desemprego, associado a uma degradação das instituições, evidenciava dois países: o formal e o real
O primeiro estava corroído pela mesquinhez, pelos interesses egoístas de grupos partidários; o segundo estava distante dos políticos, descrente face ao presente e nada confiante com o futuro. Os republicanos sérios, preocupados com o Estado, pouco podiam fazer diante da voracidade das intrigas e da pequena política. E num dia, fruto dos erros cometidos, o regime caiu.
Caiu com o aplauso da população que se colocou ao lado dos revoltosos. Um relato atento de documentos sobre a época – e há, recentemente publicada, uma obra notável do dr. Luis Bigotte Chorão, intitulada A Crise da República e a Ditadura Militar – pode mostrar-nos como estava de rastos a imagem da Justiça, da Administração Pública, do Parlamento, do Governo e de toda a classe política em geral.
Os problemas, como muitos disseram, não se resumiam ao défice e aos elevados juros a pagar no estrangeiro; os problemas passavam, antes de mais, pela credibilidade perdida no funcionamento da Justiça e pela separação entre o povo e os seus representantes.
Hoje, quase 84 anos passados, chega a ser arrepiante como tudo é tão idêntico e tão próximo. Eloquentes e notórios analistas, supostos descobridores da análise inédita, ignoram ou propositadamente nada dizem sobre o que provocou a queda da 1.ª República.
Sem o brilho, a inteligência e a qualidade de quem ao tempo escrevia sobre o assunto, eis que os vemos agora sentados nas suas ‘cátedras’ de petulância, cheios da sua imensa pequenez, culpando somente o que se passa lá fora para justificar o que de errado voltámos a fazer cá dentro.
Mas a História repete-se. Sem as especiarias da Índia, o ouro do Brasil e o dinheiro da CEE, voltámos ao que éramos. Pobres e cheios de deficiências estruturais, mas com a leveza de espírito característica dos incautos.
Mudou alguma coisa? É certo que sim. Temos mais auto-estradas, mais periferia e muitos subsídio-dependentes.
É ainda certo que temos pessoas e profissionais de inquestionável qualidade, apesar de se contarem pelos dedos das mãos as possibilidades de êxito que alcançam numa sociedade, como a portuguesa, que cultiva e sustenta a mediocridade. Ser medíocre, mediano, poucochinho, é condição base para progredir e para sobreviver.
Não há agricultura, nem pescas? Não possuímos indústria? Mas que relevância têm estas coisas menores, perante a pujança dos estádios, dos corruptos e das obras públicas desnecessárias? Diante de tamanha grandeza interessará para alguma coisa o estado deplorável a que chegámos?
Para o país formal não, contudo há ainda quem se interesse. Será uma minoria? Talvez. Uma minoria que não se conforma e uma minoria que não faz depender a razão das suas preocupações e ideias da quantidade volátil dos espectadores do circo.
Até porque, como em todos os circos, esses espectadores só aplaudem enquanto tiverem entretenimento e pão. E o entretenimento pode continuar, mas o pão vai escassear.
Manuel Monteiro (artigo de opinião no Jornal "O Sol")
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