
Quiseram aplicar a um homem como Ricardo Rodrigues os mesmos princípios éticos que aos outros deputados .Quando alguém mete ao bolso uma coisa que não lhe pertence dizemos que a roubou. Mas há justificações para meter coisas ao bolso. E diferentes nomes para usar nas várias circunstâncias, conforme o estatuto social e político dos autores. Uma senhora bem vestida que meta na carteira um perfume, numa loja elegante, distraiu-se - e um engano toda a gente tem. Uma mulher que o faça num supermercado suburbano comete um furto que a sociedade não pode permitir. E um banqueiro que esconda num offshore os milhões que ganhou por vender títulos tóxicos aos incautos clientes é um pilar da sociedade que contribui para o desenvolvimento económico. Esta é a base da sociedade e querer subvertê-la é fomentar o caos e a anarquia. E o sistema judicial existe para garantir a sua subsistência.
Quando um deputado rouba alguma coisa também não se trata exactamente de roubo-roubo, como se fosse um maltrapilho qualquer. Pode dizer-se que o deputado se apropriou, tirou ou "roubou" e "furtou", mas entre aspas.
Quando o deputado do PS Ricardo Rodrigues roubou dois gravadores a dois jornalistas fê-lo com um hábil golpe de mão, como se nunca tivesse feito outra coisa na vida, mas esclareceu que tinha feito por acção directa , "tomado posse" deles, como teria feito se se tratasse de um cargo oficial. A hierarquia do partido compreendeu aliás o seu gesto e desculpou-o, pois foi provocado pela "violência psicológica insuportável" a que foi submetido pelos jornalistas que o entrevistavam. E todos vimos como os jornalistas da Sábado tiveram a crueldade de o torturar com perguntas sobre temas incómodos, como se não soubessem com quem estavam a falar.

Ricardo Rodrigues não roubou os gravadores para os vender na Feira da Ladra e sacar vinte euros para comprar umas ganzas. Isso seria escandaloso. Fê-lo apenas para ver se impedia a publicação de uma entrevista que abordava temas que não lhe convinham. Tratou-se de um pequeníssimo atropelo à liberdade de imprensa e de informação, mas do mais puro colarinho branco. Não é furto, mas apenas um acto irreflectido, compreensível, já esquecido. E o seu passado não é para aqui chamado porque não é disso que estamos a falar. Nem o facto de o deputado ter mentido ao Parlamento, à imprensa e ao país sobre o que fez aos gravadores. Querer que um homem como Ricardo Rodrigues obedeça aos mesmos princípios éticos que os outros deputados é uma afronta.
Francisco Assis disse-o melhor que ninguém: ninguém pode julgar Ricardo Rodrigues. (Anda tão perú , parece-me que tem que passar outra vêz por Felgueiras)
António d'Almeida