"Vós que lá do vosso império, prometeis um mundo novo...CUIDADO, que pode o povo, querer um mundo novo a SÉRIO!" In: António Aleixo

29/11/2010

É este o estado em que vive um concelho na área metropolitana de Lisboa: SINTRA! - A flor de Portugal.


"Quando vim para Sintra pediam-me emprego. Depois começaram a pedir-me casa. Agora pedem-me comida. Chegou-se ao fim da linha"(...)

Fernando Seara / Presidente Câmara de Sintra

Cerca de 10 mil alunos do 1º ciclo e pré-escolar são carenciados e a situação agravou-se em setembro e outubro. Há vinte mil desempregados, que lançam famílias inteiras, outrora de classe média, numa espiral de aflições. "Quando vim para Sintra pediam-me emprego. Depois começaram a pedir-me casa. Agora pedem-me comida. Chegou-se ao fim da linha."

Todos os dias o autarca recebe cartas em que esses números ganham nomes e rostos. Chegam-lhe relatos de famílias a viver às escuras, que ainda conseguem pagar a renda, mas a luz não. A iluminação dos prédios também não se acende: a conta do condomínio há muito ficou para trás. Gás também não há - "pedem um sítio para tomar banhos quentes". E outro para passar a ferro a roupa que querem vestir na procura de emprego. A Câmara tenta manter-lhes a água: o SMAS oferece até 5 metros cúbicos a famílias no desemprego.

Futuro mais "dramático"

Esta semana, Fernando Seara recebeu mais um número negro. No mapa das transferências do Orçamento do Estado para as autarquias, Sintra tem o maior corte a nível nacional: menos €4,9 milhões. "A solução é parar todas as obras. Mas com isso enfraqueço o tecido empresarial, e gero mais desemprego, e mais pobreza, e mais alunos carenciados, e mais violência doméstica. É uma pescadinha de rabo na boca, mas não há volta a dar."

No Banco Alimentar Contra a Fome, a presidente Isabel Jonet não hesita em apontar o concelho como um dos mais atingidos - "Sintra vai ser dramático". Fala no futuro, porque quem anda no terreno garante-lhe que ainda vai piorar. Garantiu-lho Ana Carrilho, assistente social da Santa Casa da Misericórdia de Sintra, que um dia chegou ao Banco Alimentar e desabafou em torrente o que lhe preenche os dias: a saída das crianças dos ATL e das creches, por manifesta incapacidade dos pais pagarem a mensalidade; estruturas para sem-abrigo e vítimas de violência doméstica - refeitório, balneário e lavandaria públicas - a serem usadas por famílias; pessoas a andar quilómetros a pé para ir buscar comida.

Horário para classe média

"Em Julho comecei a receber pedidos de ajuda, em catadupa, de famílias de classe média, muitos funcionários públicos, 50% recém-desempregados, todos em total desespero. Não sabem o que fazer, nem o que pedir, mas chegaram a um limite em que tiveram de pedir ajuda", explica Ana. Para minimizar a vergonha que afasta estes novos pobres da instituição - 30 a 40 casos só nos últimos dois meses -, a Misericórdia reservou-lhes um horário discreto e noturno: um dia por semana, das 18h às 20h, após o fecho oficial da instituição.

Em setembro e outubro a Misericórdia deu apoio alimentar a 1800 pessoas (360 famílias). O refeitório serviu o dobro de refeições para que foi criado - a carne é agora salsichas, o peixe atum. "Há três anos só dávamos alimentos a famílias com um máximo de €150 per capita, agora descemos para €50. Só já temos capacidade de ajudar os que estão no mais baixo limiar. E o apoio é revisto a cada seis meses. Quem sai... sai à força", explica Ana.

E há mais 185 atendimentos marcados. "A situação é incomportável. Vamos ter de suspender a aceitação de novos casos, uns dois ou três meses. Mas ainda não tive coragem de o fazer", desabafa. Outras ONG e Instituições de Solidariedade concelhias já estão a recusar inscrições.

No Gabinete de Apoio e Partilha da paróquia de Rio de Mouro, o limite são 120 famílias e não há marcações até janeiro. Há 43 à espera. Em Mira-Sintra, o Grupo Sociocaritivo, também ligado à Igreja, ajudou em outubro 305 pessoas. Os cabazes do Banco Alimentar são rentabilizados até um mínimo irreal. Produtos embalados - azeite, óleo, açúcar - são abertos e divididos por várias famílias. Aos prazos de validade a fome fecha os olhos.

Edição do Expresso, de 6 de novembro de 2010

Enviado por e-mail pela Amiga Mariz

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