01/11/2010
Cidadãos europeus, Uni-vos!
A luta de classes está a voltar, sob nova forma, mas com a violência de há cem anos: agora é o capital financeiro a declarar guerra ao trabalho
Os dados estão lançados, o jogo é claro e quanto mais tarde identificarmos as novas regras mais elevado será o custo para os cidadãos europeus. A luta de classes está de volta à Europa e em termos tão novos que os actores sociais estão perplexos e paralisados. Enquanto prática política, a luta de classes entre o trabalho e o capital nasceu na Europa e, depois de muitos anos de confrontação violenta, foi na Europa que ela foi travada com mais equilíbrio e onde deu frutos mais auspiciosos. Os adversários verificaram que a institucionalização da luta seria mutuamente vantajosa: o capital consentiria em altos níveis de tributação e de intervenção do Estado em troca de não ver a sua prosperidade ameaçada; os trabalhadores conquistariam importantes direitos sociais em troca de desistirem de uma alternativa socialista.
Assim surgiram a concertação social e seus mais invejáveis resultados: altos níveis de competitividade indexados a altos níveis de protecção social; o modelo social europeu e o Estado Providência; a possibilidade, sem precedentes na história, de os trabalhadores e suas famílias poderem fazer planos de futuro a médio prazo (educação dos filhos, compra de casa); a paz social; o continente com os mais baixos níveis de desigualdade social.
Todo este sistema está à beira do colapso e os resultados são imprevisíveis. O relatório que o FMI acaba de divulgar sobre a economia espanhola é uma declaração de guerra: o acumulo histórico das lutas sociais, de tantas e tão laboriosas negociações e de equilíbrios tão duramente obtidos, é lançado por terra com inaudita arrogância e a Espanha é mandada recuar décadas na sua história: reduzir drasticamente os salários, destruir o sistema de pensões, eliminar direitos laborais (facilitar despedimentos, reduzir indemnizações).
A mesma receita será imposta a Portugal, como já foi à Grécia, e a outros países da Europa, muito para além da Europa do Sul. A Europa está a ser vítima de uma OPA por parte do FMI, cozinhada pelos neoliberais que dominam a União Europeia, de Merkel a Barroso, escondidos atrás do FMI para não pagarem os custos políticos da devastação social.
O senso comum neoliberal diz-nos que a culpa é da crise, que vivemos acima das nossas posses e que não há dinheiro para tanto bem-estar. Mas qualquer cidadão comum entende isto: se a FAO calcula que 30 mil milhões de dólares seriam suficientes para resolver o problema da fome no mundo e os governos insistem em dizer que não há dinheiro para isso, como se explica que, de repente, tenham surgido 900 mil milhões para salvar o sistema financeiro europeu? A luta de classes está a voltar sob uma nova forma mas com a violência de há cem anos: desta vez, é o capital financeiro quem declara guerra ao trabalho.
O que fazer? Haverá resistência mas esta, para ser eficaz, tem de ter em conta dois factos novos. Primeiro, a fragmentação do trabalho e a sociedade de consumo ditaram a crise dos sindicatos. Nunca os que trabalham trabalharam tanto e nunca lhes foi tão difícil identificarem-se como trabalhadores. A resistência terá nos sindicatos um pilar mas ele será bem frágil se a luta não for partilhada em pé de igualdade por movimentos de mulheres, ambientalistas, de consumidores, de direitos humanos, de imigrantes, contra o racismo, a xenofobia e a homofobia.
A crise atinge todos porque todos são trabalhadores.
Segundo, não há economias nacionais na Europa e, por isso, a resistência ou é europeia ou não existe. As lutas nacionais serão um alvo fácil dos que clamam pela governabilidade ao mesmo tempo que desgovernam. Os movimentos e as organizações de toda a Europa têm de se articular para mostrar aos governos que a estabilidade dos mercados não pode ser construída sobre as ruínas da estabilidade das vidas dos cidadãos e suas famílias. Não é o socialismo; é a demonstração de que ou a UE cria as condições para o capital produtivo se desvincular do capital financeiro ou o futuro é o fascismo e terá que ser combatido por todos os meios.
Boaventura Sousa Santos
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8 comentários:
Agradeço-te esta leitura que nos faz pensar em toda a situação politico-social.
Que nos irá acontecer.....??
Parece-me que os nossos políticos se instalaram e que pensam que isto não os afecta.
Querido Amigo
Uma crónica para pensar pela sua gravidade e interesse! Não percebo nada de política e nem quero mas um dia, no passado, disse cá em casa: ainda havemos de ver os países da UE á guerra uns com os outros e parece-me que fazia uma previsão!
Como tens passado?
Beijocas e uma semana feliz.
Graça
Olá Luís
Peço desculpa por andar ausente, mas tenho andado a fazer os preparativos para uma cirurgia e o tempo tem escasseado. Vou continuar ausente por mais uns tempos, apesar de deixar postagens agendadas. Antes de ser internada venho deixar o meu abraço de amizade a todos os amigos e amigas que espero voltar a encontrar dentro em breve.
Até lá, beijinhos
Lourdes
*
Dr. Boaventura Sousa Santos,
pois então . . .
,
abraço,
,
*
Há um selo para si no blog Só imagens
É uma prova de apreço pelo seu espaço
Cumprimentos
João
Querido amigo Luis.
Antes de mais, quero expressar o meu contentamento pela sua presença sempre tão querida, no meu humilde espaço. Bem-haja, pela amizade e carinho que me dedica e que eu retribuo.
A crise económico-política instalou-se no nosso pobre País e não prevejo saída airosa e decente, que traga qualquer benefício para todos nós, povo contribuinte.
Voltar a um Regime de Ditadura?
Sinceramente, não sei e duvido que alguém o saiba!
Beijinhos amigos.
Janita
Meu querido amigo Luis
Desculpará eu só aparecer agora, mas tenho estado doente (v. m/post de 31/10) e, de há uma semana para cá, não tenho feito visitas. Hoje é o primeiro dia, oxalá não apanhe um resfriado :)))
Quero agradecer-lhe, de coração, a sua disponibilidade para comparecer ao lançamento do meu livro. Será um prazer enorme passar para o campo do "real" a nossa amizade virtual.
Gostei muito de ler esta crónica, por demais acertada.
Não percebo nada de política; não posso, por isso, dizer se as medidas que vão ser tomadas poderiam ser evitadas - nesta altura do campeonato parece-me impossível - mas que são a consequência duma má gestão continuada, por parte do governo, não tenho a menor dúvida.
Agora... resta-nos aguardar. Os dados estão lançados.
Continuação duma boa semana.
Beijinhos
Caro Amigo Luís Coelho,
Se fossem responsabilizados como noutros países acontece não tínhamos chegado a esta situação. Assim não sei realmente onde iremos parar…
Um abraço amigo.
Querida Amiga Graça,
Espero que venha o bom senso e acabe com todos estes disparates.
Beijinhos amigos.
Querida Amiga Maria de Lourdes,
Espero que tudo corra pelo melhor, é esse o meu maior desejo.
Beijinhos amigos e até breve
Amigo poeta,
O Dr Boaventura está cheio de razão. Quando eles começarem a ser presos isto melhora…
Um abraço amigo.
Caro Amigo João,
Obrigado pelo selo que coloquei na Galeria.
Um abraço amigo.
Querida Amiga Janita
Não será preciso ditadura … o que é preciso é que comecem a ser responsabilizados e presos os que tiverem que ser. Depois tudo entrará numa normalidade!
O seu humilde espaço como diz é muito agradável e reflecte a sua pessoa, daí o gosto que tenho em a ir visitar. Obrigado pelo seu carinho.
Um grande beijinho muito amigo.
Minha Querida Amiga Mariazita,
Espero que fique bem para o lançamento do seu livro. Tenha portanto cautela que o tempo não ajuda…
Vai ser simpático estarmos juntos .
Um grande e muito amigo beijinho e até breve.
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